CICLOVIA INVISÍVEL

Por: Karina Morais, Kelly Miyashiro e Talyta Stella Vespa

Quem passa pela Avenida Paulista vê, inevitavelmente, a ciclovia instalada bem nos dois sentidos, Paraíso e Consolação. A estrutura é impressionante, grades de proteção, faixas para os pedestres, semáforos com símbolos de pequenas bikes, e o rosto dos ciclistas que circulam por ali deixa bem claro o quanto eles gostam de poder andar com segurança para que cheguem a seus destinos.

A principal avenida da cidade de São Paulo chamou atenção de todos, dividindo opiniões entre quem era contra e quem era a favor. A ciclovia da Paulista marcou, de uma vez por todas, que a tinta vermelha seria espalhada pela cidade inteira, sim, mesmo sendo alvo de críticas de muitas pessoas, principalmente motoristas de carros, que são relutantes em dividir as ruas.

ciclovia-masp

Ciclovia em frente ao Museu de Artes de São Paulo

Na região central é fácil pensar em um caminho mais seguro para aqueles que se locomovem por transporte público e em cima de uma magrela. Mas, e na periferia? Trabalhadores da Capital Paulista saem de todos os cantos, principalmente dos cantos extremos, para chegarem ao centro. Pensando muito nesses trabalhadores, existem coletivos que se organizam para cobrar da Prefeitura as ciclovias nas periferias da cidade.

O Coletivo Ciclo ZN, em conjunto com outros coletivos, criou uma campanha por mais ciclovias nos bairros periféricos de São Paulo. Os únicos bairros que ainda não receberam um quilômetro sequer de ciclovia estão localizados, todos, em lugares mais afastados, sendo eles Sapopemba, Itaim Paulista e Guaianases, na Zona Leste, e M’Boi Mirim, Cidade Ademar e Parelheiros, na Zona Sul. Os coletivos defendem que os extremos da cidade merecem tanta atenção como o centro, e que deveriam haver faixas vermelhas pintadas por lá também.

Não acreditamos que eles estão errados, a cidade é para todos, mas ao vermos a situação de uma ciclovia que já está instalada em um bairro periférico, a utilidade da tinta vermelha foi questionada, assim como a conduta dos motoristas locais.

No bairro Iguatemi, na Zona Leste de São Paulo, um menino, chamado Thiago Oliveira Pimentel Júnior, foi atropelado enquanto andava com sua bicicleta na ciclovia localizada na Avenida Bento Guelfi. Thiago não resistiu aos ferimentos. A morte do menino de apenas 9 anos revoltou, não só a família, mas também moradores do bairro que desaprovam a ciclovia e até realizaram um protesto dias após o acidente.

Kassyano da Silva, de 38 anos, é dono de uma loja que instala sistemas de som em carros, e assiste motoristas desrespeitarem a ciclovia o dia inteiro. “Os motoqueiros usam como corredor para eles, os caminhões cruzam e não tão nem aí, passam por cima dessas “borrachas” que não protegem ninguém”. As “borrachas” que Kassyano menciona são os obstáculos que a ciclovia tem, mas que são completamente ignorados por quem passa por ali, e uma prova disso são as marcas de pneu em cima de todos os pequenos “canudos”.

IMG_20150914_161155174

Motoqueiros usam ciclovia como pista

Observamos o movimento naquela avenida por cerca de 2 horas no final da tarde. Nenhum ciclista passou por ali. Uma das principais razões da ciclovia não ser tão utilizada é o medo de morrer, assim como Thiago. Dona Terezinha, uma senhora de 62 anos, trabalha em uma das bancas de jornal ao lado de um dos pontos de ônibus, e garante que o medo é para quem tem medo de arriscar. “De vez em quando tem um ou outro que anda por ali (ciclovia), mas vejo muita gente que prefere andar de bike pela calçada, já que é mais difícil de ser atropelado nelas, né?”.

Nas calçadas vimos outro grande problema estrutural. De um lado, a calçada é mato, do outro, é terra. As calçadas não são próprias para as pessoas andarem, e mesmo assim, os pedestres acabam disputando espaço com os ciclistas da região.

IMG_20150914_160305561

Ciclovia SIM, calçada nem tanto

Resolvemos andar de ônibus por ali e não nos impressionamos em ver os motoristas usarem os cantos da ciclovia para trafegar tranquilamente, ou em alta velocidade. Todos ocupam aquele espaço, menos aqueles a quem é destinado.

A ciclovia na Avenida Bento Guelfi é uma ciclovia invisível, em que os carros, ônibus, caminhões, e motoqueiros passam por cima, como se fosse um pedaço de rua normal. Vimos motociclistas usando como corredor de moto, mais de uma vez. Outro item que chama a atenção é que ela começa no meio do nada, na Rua Ribeirão dos Arcos, e termina no meio do nada, 2,9 quilômetros depois. Tecnicamente, ela liga um ponto A ao ponto B, mas não faz ligação até a estação do Metrô Itaquera, que é a mais perto dessa região.

IMG_20150914_160323361

Ciclovia na Avenida Bento Guelfi

A estrutura precária das calçadas nos fez questionar quais são as prioridades da subprefeitura e da própria Prefeitura em relação àquele bairro. Nós sabemos o quão importante é ter uma ciclovia que dê acesso aos trabalhadores, estudantes, e às crianças, que também podem brincar por ali, mas se for para ter uma ciclovia, que seja bem planejada e estruturada, ou melhor, que se tenha uma estrutura de qualidade antes de qualquer coisa. As calçadas, os postes de luz, e até o asfalto daquela avenida merecem a atenção prioritária, por uma questão de segurança, e para priorizar o mais fraco: o pedestre. Não é questão de ser pró ou contra ciclovia, é uma questão de lógica organizacional.

Fica nítido de perceber que existem dois mundos paralelos, o da ciclovia na Avenida Paulista e o da ciclovia na Avenida Bento Guelfi.

Deixe um comentário