Cinerótico – Os cinemas pornôs no Centro de São Paulo

Erick Noin, Heloísa D’Angelo, Mariana Guimarães, Marina Criscuolo, Natália Petroni e Nathalia Gorga.

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(Arte: Helo D’Angelo)
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(Arte: Helo D’Angelo)

CINE GLOBO
Era uma tarde de sábado com temperatura baixa em São Paulo e chuva constante. Encaramos o tempo adverso e fomos ao centro da cidade em busca de um lugar inédito para todos: um cinema pornô.

Já tínhamos lido algumas matérias sobre o tema, mas a curiosidade nos consumia durante o trajeto. Pensamos em várias possibilidades para nosso acesso ocorrer de forma mais tranquila, dentre elas: a opção de abrir o jogo e dizer que éramos estudantes de jornalismo ou fingirmos ser apenas jovens curiosos vindo do interior a fim de explorar aquele lugar exótico. Optamos pela segunda alternativa e assim começamos nossa caminhada próximos a uma das esquinas mais famosas de São Paulo: Av. Ipiranga x Av. São João.

Em um mesmo quarteirão já nos deparamos com três estabelecimentos desse ramo e que inclusive tinham características bem semelhantes: faixada escura e anúncios gritantes em vermelho. Paramos em um deles e perguntamos se poderíamos entrar, o atendente comentou que ali “rolava muita droga e os homens poderiam desrespeitar as meninas do grupo” então nos recomendou outro lugar mais tranquilo.

Resolvemos seguir a indicação e chegamos no Cine Globo (localizado na esquina da Rua Ipiranga com a Rua do Boticário), que tinha uma entrada bem diferente dos anteriores, mais parecia um simples salão de festas, pois estava decorado com bexigas coloridas. O homem que nos recebeu foi receptivo e inclusive fez um desconto por estarmos em grupo: R$10 cada ingresso. O valor ainda dava direito a retirar um copo de vinho, mas que no final das contas optamos por não pegar. A passagem era feita por uma apertada catraca que nos dava acesso a uma grande escada já em um ambiente bastante escuro, com parede, chão e teto pintados de preto. Subimos as escadas e chegamos a tal sala.

O ambiente era grande e com pouca iluminação. Nos direcionamos para as duas primeiras fileiras e ficamos sentados separados em casais. Nos acomodamos nas poltronas de madeira e passamos a investigar o ambiente. Na nossa frente havia uma tela de cinema que estava reproduzindo vídeos pornôs com tom caseiro focando bastante na penetração. Diante da tela havia um palco no qual as meninas usariam mais tarde para fazer o striptease. Ele estava decorado com tecidos rosa e brilhantes, mas muito mal pregados. Ainda havia botas em um cantinho caso algum cliente quisesse pagar para que as dançarinas as colocassem.

Uma mulher com um vestido bem longo e chamativo fazia as honras da casa apresentando os shows da tarde, pois aquele era um sábado de atrações especiais no qual stripers se apresentariam – dançando de forma “sensual” e se despindo ao poucos. Além das dançarinas e do DJ, dividiam o espaço conosco mais algumas poucas pessoas que formavam o público da casa. Eram em torno de 15 a 20 clientes, na maioria homens, bem espalhados pelo grande número de poltronas.

Embora o ambiente fosse escuro, percebíamos casais se formando ao redor a partir da iniciativa das profissionais que circulavam pela sala oferecendo seus serviços. Enquanto as meninas trabalhavam, a apresentadora Andressa anunciava as atrações do dia, sempre enfatizando o ponto alto do evento, que seria a cena de sexo ao vivo.

Não esperamos até a atração principal, pois começaria muito mais tarde. Na saída encontramos Andressa e, então, resolvemos conversar com ela. Com um vestido colorido e ao mesmo tempo transparente, seu corpo ficavam ainda mais em evidência. Ela devia ter por volta de trinta e cinco anos. Ao falar de sua profissão mencionou o tal do book rosa abordado na novela Global “Verdades Secretas”: “Sabe as dançarinas da TV? O que a gente vê é falso. Para estarem naquela posição ou elas têm dinheiro para bancar ou fazem o book rosa. Eu não fazia nenhum dos dois. Então, me tornei striper”. Mas além disso, ela diz que faz eventos, desde festinhas infantis até do tipo que estava fazendo naquele momento. Rindo, ela afirmou: “Eu trabalho com putaria, não vivo a putaria”. Fora dali ela explicou que seguia uma vida normal, cuidando da família, fazendo academia e realizando outras tarefas do dia a dia. O sexo é uma fatia muito pequena do que está por trás das pessoas, até mesmo das que trabalham e frequentam cinemas pornô.

CINE PARIS
Quinta-feira ao entardecer no Centro de São Paulo é como uma sexta-feira em qualquer outro lugar. Os bares já estão lotados e o comecinho do verão traz uma vontade de ficar pela rua até mais tarde. Muitos curiosos estão ali, outros tantos que se sentem em casa e, nós, a procura de algo que passava invisível aos olhos paulistanos mais bem treinados.

Sem mostrar que éramos jornalistas, nos infiltramos nos mais diversos becos a fim de procurar o objeto de desejo de muitos: o próprio prazer. O Cine Paris, na avenida São João, tinha uma entrada grande e escura para a rua, com placas velhas anunciando “filmes pornôs.” Um segurança logo na entrada e o bilheteiro atrás de uma janelinha. Pagamos e passamos a catraca. Na sala apenas cinco pessoas. Três homens sentados afastados uns dos outros e um outro casal que conversava muito, empolgado pelo filme ou pelo calor.

Sempre sentados com uma cadeira vaga ao lado, como se convidando mais alguém para sentar ali, cada um parecia estar dentro do seu próprio mundo de pensamentos. Os olhares sempre pra baixo, os gemidos sempre reprimidos. O movimento era fraco naquela noite, avaliado pelo extenso número de cadeiras vazias que, fantasmagorizadas, eram iluminadas pela luz pálida do projetor.

O filme que passava era da produtora nacional Brasileirinhas, a maior do país. Criada em 1996 já lançou trabalhos com artistas de renome na área, como Kid Bengala, Gretchen e Rita Cadillac. Mas os atores daquele dia não passavam de corpos sarados para o trabalho com alta performance. Os gritos de “goza na minha buceta” pareciam sugestionar um sotaque carioca.

Apesar da crise do modelo da mídia física que vivemos a cerca de uma década, que fez as vendas de DVD’s despencarem e locadoras fecharem por todo o mundo, a Brasileirinhas ainda se mantém forte no mercado. Ainda que venda 50 mil DVD’S por mês, 80% por cento das suas receitas vêm da web, onde conta com quase 10 mil assinantes e mais de 6 milhões de visitantes mensais, segundo a empresa.

Durante a sessão, a brasileirinha dava o melhor de si e algumas pessoas levantavam para se masturbar, encostados na parede, olhos fixos na tela. Um e outro dormiam sentados aqui e ali, esquecendo dos gritos, gemidos e respirações resfolegantes, apenas usando aquela cadeira de madeira desconfortável ao invés de passar a madrugada em qualquer rua do Centro, sob os olhos e riscos da cidade.

Chegamos a temer que algo fosse feito contra nós. Chamávamos a atenção com nossos olhares para todos os lados, com a nossa aparente relação superficial, além da cara, idade e roupas totalmente diferentes das outras pessoas que frequentavam o espaço. Encerramos nossa visita mais ou menos na hora que o sol terminava de se pôr, voltando à avenida.

O entorno dialogava com a realidade dentro das salas. Há sex-shops, locadoras pornôs, bares de strip-tease, garotas de programa e motéis, além de profissionais do sexo distribuindo folhetos de casas noturnas. Surpreendida, vi uma antiga conhecida em uma das fotos das garotas nuas. Senti meu coração disparar e pensei em como ela teria chegado até ali.

CINE ROMA
O segundo cinema que visitamos àquela noite era bem maior do que o Paris, mudando os filmes, o ambiente e o público. Com as dificuldades encontradas pelas salas de cinema pornô ou privê que tiveram seu auge nos anos 90, o Cine Roma hoje tem outro modelo de negócio, voltado para abranger mais o mercado do sexo propriamente dito.

Na fachada, dessa vez mais chamativa e iluminada, uma placa anunciava a 10 reais sessões livres e ainda uma cerveja de cortesia. Convidativa, a pegamos gelada no bar logo na entrada. Surpreendia pelo lugar: mesa de sinuca e jukebox. Porém o  ambiente era de solidão. Ninguém conversava, só se ouvia um sertanejo meloso que falava da depressão do amor traído ou não correspondido, como se alguém tivesse escolhido aquela música para responder a sua solidão, afogada em sombras e em gozo.

Algumas garotas de programa sentavam eretas em sofás enfileirados nas paredes, junto a homens de meia-idade com aspecto cansado. A maioria das garotas eram transexuais e circulavam entre as salas oferecendo-se para os frequentadores. Uma delas, visivelmente incomodada com nós dois ali juntos, mas não fazendo nada que se espera de um casal, ofereceu com voz mansa um à três. Outra gritou “humm, safada” quando passou.

Eram 5 sessões diferentes. Com cinco atos diferentes. Para inúmeros gostos diferentes. Rolando simultaneamente. Cada ambiente levava ao outro, e de quatro pornôs heterossexuais apenas um, na última sala, era para o público homossexual. Mais uma vez ninguém se falava, e quando um dos homens sentou ao lado de um outro que se masturbava, este levantou incomodado e se retirou. Todo a espera por atos ilícitos foi em vão. Apenas vimos uma das trans levando um senhor até o banheiro.

Dois seguranças circulavam pelos pavimentos do cinema para evitar qualquer confusão, mas até deles desconfiamos. Não sabia qual era a real função deles ali ou o que poderiam ou não impedir. Parecia meio estranho alguém para vigiar aquele lugar. Um deles falou conosco, se apresentou como Salomão e perguntou se estávamos bem, pediu que ficássemos à vontade. Deveríamos estar, visivelmente, destoando do ambiente, frequentado por uma imensa maioria de homens mais velhos e desacompanhados. Além disso, sabia que podia vender, quem sabe, um ou outro drink pra gente.

Algumas das salas tinham um pequeno palco na frente das projeções, mas naquela noite não haveria nenhuma apresentação. Espalhados pelas cadeiras, algumas pessoas se masturbavam, outras simplesmente dormiam –fugindo do movimento e calor intenso do Centro, aproveitando o ar mais fresco, a escuridão e o silêncio do lugar. Um conhecido já tinha comentado que fazia isso, mas já não parecia tão convidativo como narrou.

As condições que encontramos em nossas visitas não se comparam às da época de ouro dos anos 80 e 90 em São Paulo. Devido a pirataria e os serviços de vídeos online por streaming o público dos cinemas vem caindo ano a ano. Ainda mais dos cinemas de rua. E mais ainda mais nos cinemas pornôs.

Com um público selecionado e reduzido, as salas atuais mantêm seu aspecto sujo e suas cadeiras vagas a espera de alguém, de qualquer um. Talvez fadados a desaparecerem, junto com tantas outras manifestações da Boca do Lixo, esses cinemas precisem se reinventar para aproveitar o crescimento do mercado erótico brasileiro, que cresceu 8 por cento em 2014, muito acima dos 0,1 por cento do PIB nacional.

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